segunda-feira, 28 de novembro de 2011


Sobre a Escrita e Porcos (ou a História do Poodle do Caralho Grande)

Escrevi um poema sobre porcos, especificamente sobre castração de porcos. Não havia nada disso na literatura brasileira, pensando bem, nem na mundial e só por isso, no meu modesto modo de ver, eu já devia ganhar uma estátua na praça, nome de rua e de hospital. E se não bastasse o tema, o que estava em jogo ali era a escolha do cachaço, o porquinho que ficaria com as bolas, e num quadradinho se transformaria numa enorme coisa de 300 quilos de banha e porra, berrante e fedorenta... e de como as crianças viam e eram impedidas de verem o espetáculo. Ou seja, uma gema!

Estava com ele na bolsa porque tive a tarde para digitá-lo, já que o escrevi à mão e penava a tarde toda na espera dessa reunião onde agora me encontrava, cercado de professores.

A coordenadora da reunião saira para atender um telefonema então caí na bobeira de tirar o poema da bolsa, li e dobrei, mas se isso eu chamava de bobeira, idiotice foi passá-lo para a professora ao lado. Era uma coroa que substituía umas aulas de não sei o quê. Uma vez enquanto fumávamos um cigarro ela me disse que havia sido conselheira tutelar e que seu filho de 21 está “namorando” uma “bisca de 47”, ... e sobre o poema recordou que a avó matava galinhas e que ela e os primos também queriam ver, só que a velha nunca deixava. Me devolveu o poema e embebido de vaidade pelo o que tinha provocado resolvi testá-lo na professora do meu lado esquerdo. A vaidade é o lago onde se afogam os tolos!

Passei ainda dizendo:

- Vê esse poema imortal!

Ela pegou, desdobrou, abriu a bolsa, procurou pela caixinha de óculos e de lá retirou-os e equilibrou-os no nariz. E leu. E devolveu, dizendo:

- Bem forte!

Não falei, mas o poema se chama “Os Fortes”. Guardou os óculos e era só, mas aí a outra professora falou de novo sobre a avó matadora, então “A Bem Forte” perguntou de quem era o poema, que a outra prontamente esclareceu;

- É dele!

- Ah é seu!?

- Versos únicos de toda a literatura.

- Deixa eu ver novamente.

Dei a ela que repetiu todo o processo do desdobrar aos óculos, só que nesse acrescentou um lápis.

Na primeira palavra ela já pôs vírgula, noutra acento, noutra “ésse”, puxou cetas com interrogações, traços em baixo de parágrafos..., escrevia ligado a um círculo “pronome?” “Verbo?”... ou seja, a caixa de ferramenta inteira, juro que não teve linha que ela não observou alguma coisa errada. Daí me devolveu.

Ela tinha dito “Bem Forte” e agora aquilo, era a professora de português!

Quando cursei a faculdade conheci uma porção de pessoas que faziam letras e chegavam até mim e diziam:

- Sabe, eu até escrevia, mas depois quando eu comecei a fazer letras eu parei!

Eram as malditas “regrinhas”, somado a professores frustrados que punham fim a suas pretensões literárias. Mas por outro lado, se eles não fossem capazes de enfrentarem essas merdas e muito mais outras pela sua escrita, então é melhor pararem mesmo!

Antes de escrever eu até sabia algumas “regrinhas”, sabia identificar um pronome, o que era um advérbio, ou adjetivo, incrivelmente até metáfora e metonímia eu sabia, mas quando comecei a escrever, tive que abandonar tudo isso, fiquei apenas malemá com o “abecedário” e olhe lá, fiquei nu para entrar na floresta e caçar as palavras com as próprias mãos, sem truques, pegá-las a unha, e jogá-las no papel, na porrada, para que caiam ali, não mortas!, mas fodidas como elas são, sujas, meladas, zombeteiras, ensanguentadas,... Se é o melhor método? Se aconselho isso a alguém? Não sei, só sei que é assim que me serve! Então aparecem erros medonhos, mas é assim que sou, Errado! E meus personagens são! Se algum deles acertarem uma concordância, um plural, ou tempo verbal, corto minha mão direita fora, eles são toscos como minha escrita, por que são minha escrita, rasos como uma bandeja, ... um lago onde se mergulha e quebra o pescoço, e que até mesmo agora, nesse texto, do começo até aqui (ou até o fim) deve ter uns “mil erros”, em todas as frases, em todas as letras... em todos os cantos e que qualquer profêzinho pode sacar sua caneta e corrigir, apontar, criticar linha por linha, setas, riscos, vírgulas, pontos, tempos, etc. e no final concluir: “Esse cara é um analfabeto, inculto, uma fraude, que nunca deveria ter pego numa caneta,... sacripanta!” E daí pra pior... mas estava eu e essa mulher a me entregar o poema todo riscado, querendo me dizer que com aqueles erros o poema nada a ela dizia. É claro que eu não iria colocar seu nome nesse texto, nem que ela tinha seus quarenta e poucos, vivia com a mãe, solteirona e que até diziam pelas suas costas que era donzela, que tivera um amor não correspondido na juventude e que o amado tem outra, é engenheiro e pai de 5 filhos, sendo que ela já foi professora de um deles no particular e que ela sempre sonhou em ser médica, mas acabou virando professora... Acho que todos esses detalhes nada tenham a ver com sua “visão” sobre o poema, certamente que não, se não o Maluf teria razão. São só as regrinhas, as malditas regrinhas que ela mais meio milhão de professoras despejando todos os santos dias nas cabeças das criançadas “complete a oração subordinada”, “identifique o sujeito e o adjunto” que fodiam tudo.

Nada disso me serviu se quer para escrever uma frase, um bilhete, quando me joguei no abismo da folha em branco, só precisei da vida e como disse de algumas letrinhas que porcamente organizei.

Eu devia estar preparado, eu estou preparado. Sempre fora assim, algumas pessoas liam minhas coisas e diziam: “’Puta que o pariu’, ‘caralho’, mas você só escreve palavrão!”, para elas dizer ‘palavrão’ pode, escrever jamais! Ou como aquela outra que leu a “História do Poodle do Caralho Grande”: “ – Jesus Cristo, você precisa escrever como o Diabo!” E os “adjetivos”: “Baixo”, “vil”, “pornográfico”, “cínico”, “escroque”, “tarado”, “medonho”, “irracional”,... Levei e levo como elogio. Não escrevo pra chocar, nunca nenhuma linha foi pra isso, escrevo para envenenar as pessoas, para que quando terminarem a última linha seu sangue esteja tomado e ela nunca mais seja a mesma, podendo até disfarçar, como se nada tivesse acontecido, igual a algumas pessoas que ao serem picadas por cobra, no choque, fingem que foi só um arranhão! Se escondendo atrás de uns “é bem forte”, ou de lápis a procurar erros, mas o nó na garganta foi maior do que todas as outras vezes, e que depois de ler um texto meu vá pensar duas vezes antes de ler outro.

Que os covardes escondam meus livros em suas estantes, que os puros serão os primeiros a lançarem ao fogo, e os ‘rebeldes’ tatuarão meus versos em seus corpos.

Peguei o poema todo riscado com letras cursivas e pedagógicas, dobrei e enfiei dentro da agenda, olhei bem para os óculos na ponta do seu nariz e não falei nada. Não tinha nada, absolutamente, para dizer a ela... A coordenadora voltou e a reunião foi terminada.

Dias desses encontrei o poema todo riscado dentro de uma gaveta, vou ver se o reencontro e coloco aqui.

***

Procurei mas não encontrei, se encontrá-lo colocarei, ou talvez não! Noutra, enviei uma cópia para uma jovem autora que havia escrito sobre porcos, ela não me respondeu, mas isso já é outra história.

26/04/11

domingo, 20 de novembro de 2011