sábado, 31 de janeiro de 2009

Crônicas de Amanhã

O Urso do Pontal

Era a primeira noite na casa e cansado por ter feito a mudança e ajeitado os móveis não conseguia dormir.
Pelo telefone o senhorio ao me alugar tinha reforçado várias vezes “é a cem metros da praia”.
Desci a Itaú e atravessei a rua, o ‘Sem Compromisso’ estava fechado, apesar de ouvir um sonzinho do rádio do vigia, não vi ninguém.
Ventava e o céu tinha poucas estrelas. Acendi um cigarro e fui até a praia. Poderia falar até em uma noite escura e amena.
Uma das traves do campinho estava no chão e dois postes de iluminação apagados, isso pro lado do bairro, do lado centro a praia interia estava escura.
As luzes da Ilha piscavam ao longe. Os barcos balançavam fortemente, um deles parecia que iria afundar. Só parecia, eu logo comecei a achar. Joguei a bituca que com o vento saiu capotando na areia se apagando no mar.
Já ia retornando quando os meus olhos se depararam com o bizarro! Não foi no primeiro momento que eu notei isso, o astigmatismo e a hipermetropia forneceram uma instantânea e falsa sensação de segurança ao meu cérebro e coração:
“É só uns caras num bote, saindo da lancha ao lado!”
Mas isso não durou nem um segundo, pois um “Porra, que coisa é essa!” me saiu como única expressão.
Era um urso, não só um urso, mas um urso polar se equilibrando num pequeno bloco de gelo que o absurdo me fazia concluir que outrora fora um iceberg!
Pensei em correr para a praça, mas ele podia tomar minha frente e o medo me travou. O gelo derreteu de vez e ele saltou n’água nadou e rapidamente saiu na areia. Me viu, se sacudiu, rosnou e começou a tomar a água do esgotinho. O barulho da língua sedenta, ‘slep, slep’ como um cachorro grande, eu não podia acreditar naquilo.
Ele seguiu a praia em direção ao píer, mantinha quase um trote. Quando, no meio da praia já se tornando um vulto resolvi segui-lo.
Suas pegadas marcavam a areia. No momento que ele chegou ao fim da praia corri para me aproximar. Passou por debaixo do píer e com a maré seca seguiu pelas pedras. No píer um pescador parecia nos ver, não tenho certeza. Atravessou a Deserta no mesmo ritmo, parecia determinado ou até mesmo atrasado para alguma coisa.
Foi só no final da praia que hesitou, farejou a areia, pensei, ‘vai urinar.’ Mas pegou a viela e abandonou a praia. Fosse onde fosse ele agora iria pela pista. E isso eu não podia perder. Seu forte cheiro impregnava a viela.
Manteve o sentido do centro e tirando um carro branco que mais pra frente cruzou com a ‘gente’, só um caminhão passou por nós e buzinando, por sinal. Som que o urso respondeu com um rugido, que pela altura deve ter invadido os pesadelos daqueles que naquela região dormiam.
Antes de chegar no Porto Grande atravessou a rua, suas unhas raspavam no asfalto. Eu já não agüentava mais correr. O posto de gasolina estava fechado, no quiosque do ‘Bonga’ outras duas pessoas viram, gritaram alguma coisa e arremessaram uma garrafa, o que fez tanto a mim como ele correr ainda mais.
Polícia Federal e nada, mas do ‘Tebar’ ele não passaria despercebido, até maneirei, pois poderia sobrar pra mim ao ser visto com um urso. Mas ele passou como se fosse a coisa mais normal do mundo. Corri e ao passar pela portaria o vidro escuro não revelou se havia, ou não, alguém ali.
Já do bombeiro ele não escaparia. Enganado novamente. Pareciam todos dormir, fiquei parado, ‘Chamo ou não chamo?’
Haveria a guarita da ‘Agência Marítima’ então segui, mas mesmo lá, nada. Foi quando comecei a me questionar seriamente no que aquilo ia dar, comecei a achar burrice não ter chamado os bombeiros. E quando ele chegasse ao centro o que faria?
Então o grande urso parou e ficou sobre as duas patas e aí pude realmente perceber o quanto ele era gigantesco e para o que ainda sobrava de minha surpresa, pulou a grade do terminal para dentro dos tanques de petróleo. Pulei atrás e o urso parou por um instante e novamente ficou de pé, parecia olhar para os desenhos dos animais no primeiro tanque. Tive a quase impressão de que balançou a cabeça desgostoso. Seguia agora em direção as montanhas, ia mais devagar, como que observando todos aqueles tanques, tubulações, seus sons e cheiros sinistros.
Nesse momento comecei achar que ali não corria mais o perigo de ser atacado pelo urso, mas sim em ser baleado por algum segurança, pois o urso se tornara bastante ruidoso.
Ele parecia não mais se importar com minha presença, (se é que alguma vez se importou) só me olhava para conferir a distância.
Ao chegarmos no fundo e (Aqui uma observação que provavelmente nem os maiores especialistas em ursos polares devem saber: Os ursos pulam muros, e igualmente cercas, com extrema facilidade.) o muro realmente não foi problema para ele. Eu que sou relativo saltador de muros tive algum problema que só na terceira tentativa obtive sucesso, enquanto ao urso só se lançou com as patas traseiras e pumba do outro lado!
Quando saltei do muro o urso havia retomado o pique habitual. Corri e vi que com a mesma destreza deixou para trás uma cerca, está que para mim forneceu um puta rasgo na canela. Ele estava decidido em subir a montanha e eu até onde iria? Mas não foi nem preciso responder quando num tombo em uma mangueira de encanamento clandestino torci o pé e aí ele sumiu de vista no meio da mata, ainda ouvia seu rosnar que mais parecia um resmungo.
Com a perna rasgada, torcida e doendo pacas, teria que voltar e agora o mais importante: Quem acreditaria em mim e na história desse urso?
Por dias acompanhei os jornais na esperança de ter notícias da captura, em algum lugar da Serra, daquele urso, em vão, nenhuma linha! Se alguém sabe de alguma coisa sobre ele me informe, pois desde aquela noite só penso nisso, ‘onde andará aquele urso?’


11/10/2007 J.R. Bazilista

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