segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Bis: P/ o LOU REED (Detetive Lázaro Lemos - Rápido, Barato e Garantido em: O REI DO ROCK
O rei do rock
Era a segunda vez que o telefone tocava naquele dia. A primeira, pela manhã, engano. Agora não fazia a mínima idéia de quem era, tomara que fosse um caso, as coisas estavam devagar, não era nem preciso olhar pela janela para notar que o mundo não estava em paz, mas ninguém parecia precisar de um detetive. Acaso não fosse um caso, talvez teria que voltar a fazer bico de segurança de loja de calcinha. Deixei tocar uma segunda e terceira vez e atendi:
- Alô!
- Alô!
- Alô! Era um retardado, ai caralho!
- Quem fala? Falei já puto.
- É o detetive Lázaro Lemos?
- Certo!
- Detetive eu preciso de um serviço do senhor.
- Senhor não, e eu não atendo por telefone.
- Mas eu preciso de sua ajuda.
- Escuta é só pintar aqui no meu escritório, ou...
- É que eu não posso me locomover direito, não tenho muita prática com a cadeira pelas ruas.
- Bem nesse caso...
- Eu sou amigo da Luiza, ela que me falou do senhor, quer dizer, de você.
Ele tinha a palavra mágica, Luiza.
- Escuta, você não falou seu nome.
- Alan.
- Viu Alan, onde posso te encontrar?
- Você pode vir até meu prédio?
- Claro.
- É sobre meu irmão, é de vida ou morte.
- Tudo bem Alan é só me dar o endereço.
Ele passou: Rua das Freiras, Vila Juliana, edifício Britsh Garden Gold, apartamento 74, bloco B.
- Você sabe onde fica!
- Claro Alan, já fui cobrador e carteiro, já estou chegando.
- Por favor, é que meu irmão...
- Alan fica frio e vá abrir a porta.
Pelo elevado até que foi. Vila Juliana lugar de bacana, a cara da Luiza. A rua era próxima ao metrô. O prédio como eu imaginava, mini-paraisos com sacadas enormes. Parei quase em frente da portaria.
Fechei o carro, atravessei a rua e já fui intimando o porteiro.
- Fala pro Alan do 74- bloco B, que eu já cheguei, Lázaro Lemos.
O sujeito ficou olhando pra mim e juro por deus que eu não sei o que ele pensou.
Pegou o interfone, me anunciou, mandou uns “Am-rãm”, “Certo, certo”, desligou e me explicou:
- O senhor entra por aqui – apontou – o bloco B é a segunda entrada.
Agradeci e fiquei pensando se o bloco C era a terceira entrada.
Era um condomínio de bacanas realmente, nem sei quanto valia aquela merda toda, me bateu uma certa tontura e uma certa náusea que me obrigou a cuspir na frente do elevador. Tentei me acalmar e passei o pé em cima do cuspe e meu sapato ficou escorregando, quando o elevador abriu sequei-os antes de entrar. O elevador subiu macio como se tivesse manteiga nos cabos. No sétimo a porta abriu e eu saí.
Um garoto de uns quinze anos, branquela e cumprido, sentado numa cadeira de rodas me esperava. Estendeu a mão dizendo, mais uma vez ser amigo de Luiza. Peguei-a meio sem jeito, me deu uma dó do cacete, um mulecão daqueles sentado naquela bosta.
- Entre, meus pais não estão, é sobre meu irmão, ele ta louco!
Fui entrando e me foi normal perguntar onde estavam seus pais.
- No Canadá em um congresso, são médicos neurocirurgiões, os dois.
- E seu irmão?
- Meu irmão seu Lázaro...
- Detetive certo! Falei isso olhando a sala e a decoração. Ele pareceu melhor ao me chamar assim.
- Meu irmão detetive vai matar o (aqui ele falou um nome dum sujeito que eu perguntei umas três vezes e num lembro e também não fazia a mínima idéia de quem era), eu falei quem, e ele tentou me explicar o que se tratava. O irmão era fã desse cara, que eu não me lembro o nome, segundo Alan tinha esse cara como uma espécie de Deus. Fomos entrando pelo apartamento e ele falando, falava que o cara tinha sido líder de uma das principais bandas de rock do mundo, segundo o irmão, a principal.
Um caso de fanatismo, pensei.
O quarto do irmão era todo forrado com fotos do cara, uma viadagem só!
- O quê te leva a pensar que seu irmão faria alguma coisa contra o cara?
- Uma que ele vivia dizendo que o cara depois dos anos setenta se encontrava em constante decadência, tá vendo aquele pôster ali – apontou – aquele é de quando meu irmão achava o cara o máximo, ta vendo aquele outro – e apontou novamente – esse é de quando meu irmão o detesta.
Tinha diferença é claro, no primeiro o sujeito usava poupa de couro, coleira, óculos escuros e cabelos quase raspados e tingidos de loiro, no segundo um sobre tudo cinza e os cabelos pretos batidinho e cheinhos na parte da nuca, bem anos oitenta. Isso só não era normal para um fanático, que não vê que não se pode ser jovem para sempre.
- Segundo foi isso – Ligou o computador e me mostrou uma espécie de diário que o irmão tinha escrito, onde narrava que o mataria no show previsto, li rapidamente, era simples e me pareceu eficiente,o sujeito ia se aproximar e mandar o outro pra bosta, iria ser preso e sair na primeira página dos jornais do mundo todo, pois segundo ele milhares de fãs tinham a mesma opinião que a dele, já tinha dado pro cara.
- Bem, até aí são só opiniões do seu irmão...
- E isso detetive. Ele abriu um guarda roupa e jogou em cima da mesa uma caixa de uma pistola e me entregou uma caixa de balas 380.
É, ISSO, já é bem diferente!Peguei um pedaço de papel e uma caneta de dentro de uma latinha e anotei o lugar que seria o show.
- Escuta Alan, você pode colocar alguma música do cara?
Ele pareceu não entender, nem eu, mas por algum motivo achei que poderia ajudar.
- Claro!
Foi para o computador e colocou uma música.
- Essa é da fase que meu irmão adora.
- A música era boa mesmo, uma pena ser em inglês e eu não entendi nada, tive a impressão de já ter ouvido, a melodia não me pareceu estranha. Aí ele interrompeu dizendo:
- Essa é da fase que meu irmão detesta.
A música era uma bosta realmente, o rapaz tinha bom gosto, me veio uma vontade maníaca de deixa-lo matar o cara.
- Alan qual é o nome do seu irmão?
- Mário.
Perguntei se ele tinha uma foto recente, qual a cor de camisa que ele estava usando e coisas do gênero, anotei tudo e disse para ele ficar tranqüilo.
Fui saindo e ele me acompanhou com a cadeira. Na porta quando eu já estava do lado de fora:
- Detetive, isso é tudo o que eu tenho, depois posso arrumar mais.
Me estendeu umas notas, peguei e no elevador contei setenta e cinco contos. Entrei no carro e rumei para a casa de show, pois segundo o plano do Mário o cara iria fazer uma passagem de som antes da apresentação. Liguei o rádio, caso já estivesse falhado ficaria sabendo.
O trânsito impossível, claro. Parecíamos todos mortos dentro dos carros. Quarenta minutos depois e de quase ter atropelado duas crianças que vendiam balas num farol eu estava passando em segunda, bem devagar, em frente ao Overhall (era esse o nome do clube). Vi um estacionamento, dei seta, entrei e guardei o carro mais ou menos no meio, onde tinha mais vaga na verdade. Quando caminhava ajeitando o revolver debaixo da jaqueta, quase na saída um sujeito se aproximou, dei a ele cincão e falei que não demorava. Normal.
Atravessei a rua e fui pela calçada do Overhall, olhando a redondeza e imaginando a cena que eu teria que evitar, projetava a imagem do rapaz aparecendo num táxi, do nada e sentando o dedo no infeliz, ou abrindo espaço na multidão que poderia o cercar, se aproximar “Hei!” Blá. Blá. Blá! E a gritaria.
Tirei tudo isso da cabeça, não queria que realmente me pegasse de surpresa. Vi o nome do sujeito e anúncios de outros shows e numa porta um pouco mais a frente um grande segurança, caminhei até ele.
- Oba!
- Oba.
- O Sergio taí? Claro que não conhecia nenhum Sergio, mas resolvi arriscar.
- Quem?
- Ele falou que no show de hoje tem vaga e que era pra eu pintar por aqui, vai vê que ele ainda não chegou!
- Ele é da turma do Geraldo?
- Acho que foi isso mesmo que ele falou, “eu sou da turma do Geraldo”, ou foi Geraldão, puta, não lembro a gente tinha tomado quase meia caixa.
- É só pode, porque a turma do Geraldo chega mais tarde.
- Então é.
Cada uma!
- Escuta, o figurão já chegou?
- Não, mas já tem moleque enchendo o saco aqui desde cedo!
- É foda!
- Esses caras são tudo tonto!
- São memo!
- Queria ver se fosse eu...
Nesse momento chamaram ele pelo rádio. Ele deu dois passos para o lado, respondeu um treco que eu não entendi. Eu falei que ia comprar cigarros e que se o Sergio pintasse dissesse que eu estive por lá e que estava na área. Ele balançou a cabeça tomado pelo rádio. Ficou lá respondendo uns ‘positivo, positivo’, feito um grande perdigueiro idiota e adestrado enquanto eu me mandei.
Foi a melhor coisa que eu poderia ter feito, o bar tinha banheiro e eu precisava mijar e no balcão Mário Babão! Puta que sorte, ele parecia estar numa concentração nervosa e demente. Pensei, ‘vou no banheiro e que se foda!’ Passei pela suas costas. Não sei se me viu ou não, e se me viu não se importou, talvez ele tivesse um ‘ponto fixo’ para daqui a pouco que eu, nem ninguém dali, fazia parte. Não queria entrar em sua mente, era lelé. A arma estava em suas costas, fui para o banheiro e me aliviei, não lavei as mãos e voltei. Agora poderia sentar atrás dele ou do lado, sentei do lado, pedi uma cerveja e um maço de cigarros.
Dei um gole mas não estava afim de beber, abri o maço de cigarros e acendi o cigarro, tinha duas banquetas que nos separavam. Ele olhou para mim, acenei num cumprimento balançando a cabeça, ele foi nervoso demais para que eu pudesse ter-lhe oferecido cigarro, e também me pareceu um sujeito que não aceite cigarros de estranhos. Um cuzão!
No meio da segunda cerveja e do sexto cigarro uma movimentação lá fora o tirou do transe, eu já tinha até desconfiado que ele não iria fazer porra nenhuma, que iria ficar ali até a manhã fissurado na merda do balcão. Só faria alguma coisa se ele fizesse, esse era meu lema ali. Mas a movimentação pelo visto era a chegada do cara. Ele se levantou e deu um passo para ver melhor, eu fingia ver tv, ele deu mais um passo, ajeitou a arma nas costas e voltou rapidamente, tirou deizão do bolso e falou ‘tá pago’, não entendi o porque, pois não bebeu nada, e outra quem ia fazer o que ele ia fazer, porque pagar? Caralho, que cara estranho.
Ele foi saindo e eu me levantei tirando deizão do bolso e deixei no pé da garrafa, peguei o cigarro e meti no bolso, fui saindo na moral, ele parou na ponta da calçada e eu na porta do bar. Duas ‘Vans’ pretas estavam paradas na porta onde eu falei com o segurança, alguns carros de imprensa, fotógrafos e jornalistas, não muitos, poucos fãs. Saíram várias pessoas de dentro delas, mas da segunda saiu o bacana, óculos escuros, uma camiseta preta apertadinha e calça de couro e botas, tudo bem viado.
Mário ameaçou atravessar a rua, conferiu a arma nas costas, esperou um carro passar, outro. O figura falava alguma coisa aos jornalistas lá na frente, tive a impressão de que nos viu. Uma moto foi o último obstáculo, o rapaz ameaçou ir, ia levando a mão nas costas para sacar a arma quando eu a arranquei do rego. Tomou um susto que quase caiu, foi engraçado mas não ri, achava o sujeito louco, e esperava qualquer coisa louca pro meu lado, dois tiros nas pernas eu daria, não mais que isso.
- Pra quê que é isso, heim?! Disse guardando sua arma e apontando a minha para ele: -Vem pra cá, saí daí! – Falei apontando a calçada, tive a impressão que ele ia aprontar uma cagada, respirei já preparando o sapeco, ele olhou pra mim e olhou pro carro que vinha passando, olhou mais uma vez para o figurão, que me parecia ver tudo – Nem tenta maluco! Jeitei o dedo no gatilho e ele veio pra calçada, não dei moleza – Vai vamô! Ele olhou para mim cheio de ódio, mas foi algo covarde e mesquinho que vi, que nem liguei. O nervosismo o deixou burro e estúpido. Esperei que ele perguntasse quem eu era. Mas não, foi caminhando feito um imbecil cordeiro – Vai sai fora! Caminha e não olha para trás! - E mirei um chute no rabo, mas não dei. Andei mais uns passos, parei e ele seguiu. Olhei pra trás e o figurão tinha entrado, olhei pra frente e o ‘Lelé’ tinha apertado o passo, fiquei parado guardei completamente a arma. Pronto.
Recebi uma massagem de uma ‘chinesinha’ que dormi relaxado a noite toda.
Pela manhã acordei com o telefone tocando, engano. Vesti uma calça e a mesma camisa, sentei na cama e procurei os sapatos, calcei-os. Me levantei e apertando o cinto fui até a pia lavar o rosto, mas desisti, a primeira água do dia sai amarela de ferrugem e estou evitando abrir. Passei pela banca, peguei um jornal e o Zéca não falou nada, ainda bem, paguei e atravessei a rua. Entrei no bar, pedi três pães de queijo e um café.
Abri o jornal e fui direto no caderno cultural coisa que eu nunca faço, nem o leio. Procurei alguma coisa sobre o show, achei uma chamada não muito grande: “Ontem a noite mais uma página do rock n’ roll foi escrita” Coloquei o caderno junto com os outros, dobrei e pus ao lado do balcão. Mordi um pão de queijo e dei um gole no café.
***
Esses dias perguntei o nome do cara para Luiza (minha secretaria) e até anotei para não esquecer: Lou Breed.
Trecho do Romance: “Detetive Lázaro Lemos – Rápido, Barato e Garantido”
04/08/03
J.R.Bazilista
ps: Sempre imaginei essa parte do romance terminando ao som de Goodnight Ladies, do próprio Lou Reed.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário